O tema da responsabilidade penal de pessoas jurídicas é um tema pouco conhecido no mundo jurídico e ainda menos pela população em geral, porém pode-se afirmar, de logo, que a personalidade da pessoa jurídica pode sim responder por crimes na esfera penal.

Tal fato foi admitido pela Constituição Federal de 1988, que passou a caracterizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, no artigo 173, §5º, quando determinou que (…) “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. ”

Os crimes ambientais também foram definidos como delitos que podem ser cometidos por pessoa jurídica, através do art. 225, da CF/88, senão vejamos:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[…]

  • 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

 

O Superior Tribunal de Justiça ainda apresenta um posicionamento dominante quanto a perfeita caracterização da responsabilidade criminal pela pessoa jurídica, desde que também haja a caracterização do crime cometido por seu representante legal.

Todavia, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.977.172, por maioria, decidiu que a responsabilização penal de empresa incorporada não pode ser transferida à sociedade incorporadora.

De acordo com o processo o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) denunciou a empresa Agrícola Jandelle S.A., por suposto descarte irregular de derivados de milho e soja, conforme o delito previsto nos termos do art. 54, parágrafo 2º, inciso V, da Lei 9.605/1998. Posteriormente, ela foi comprada por outra companhia, a Seara Alimentos, e foi extinta.

Antes do julgamento do mérito da ação penal, a empresa incorporadora impetrou mandado de segurança, alegando a extinção da punibilidade diante do encerramento da personalidade jurídica da ré originária da ação penal. Assim, por aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do Código Penal (CP), que trata da morte do réu, seria inviável o prosseguimento da ação contra a incorporadora. O Tribunal de Justiça do Paraná concedeu a segurança.

Encaminhado o recurso ao STJ, o Ministério Público sustentou que tanto o princípio da intranscendência da pena[1] como o artigo 107, inciso I[2], do CP têm incidência restrita às pessoas naturais, únicas capazes de morrer, sobretudo porque as penas patrimoniais previstas na Lei 9.605/1998 poderiam ser assumidas pela incorporadora.

Para tanto, o ministro Ribeiro Dantas observou que “a incorporação marca o fim de sua existência jurídica; fossem as pessoas jurídicas capazes de vida biológica, a incorporação seria uma das muitas formas de morte do ente coletivo”. Ribeiro Dantas explica que com a venda da empresa, a sucessão se opera quanto a direitos e obrigações, e mesmo assim somente para aqueles compatíveis com a natureza da incorporação.

Ainda acrescentou que “a pretensão punitiva estatal não se enquadra no conceito jurídico-dogmático de obrigação patrimonial transmissível, tampouco se confunde com o direito à reparação civil dos danos causados ao meio ambiente. Logo, não há norma que autorize a transferência da responsabilidade penal à incorporadora”.

Para ele, “há uma inegável similitude entre os efeitos práticos da obrigação civil de reparar o dano causado e, exemplificativamente, a imposição da pena de executar obras de recuperação do meio ambiente degradado, modalidade de reprimenda restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) tratada no artigo 23, II, da Lei 9.605/1998”. Porém, “as sanções criminais não se equiparam a obrigações cíveis, porque o fundamento jurídico de sua incidência é em todo distinto”, afirma.

E concluiu explicando que “todas essas diferenciações demonstram que não é possível enquadrar a pretensão punitiva na transmissibilidade regida pelos artigos 1.116 do CC e 227 da Lei 6.404/1976, o que nos traz a uma conclusão intermediária: não há, no regramento jurídico da incorporação, norma autorizadora da extensão da responsabilidade penal à incorporadora por ato praticado pela incorporada”.

Por outro lado, os ministros ressaltaram que ocorrendo fraude na incorporação (ou, mesmo sem fraude, a realização da incorporação como forma de escapar ao cumprimento de uma pena aplicada em sentença definitiva), haveria evidente distinção em face ao precedente firmado, com a aplicação de consequência jurídica diversa.

Por fim, muito embora o STJ tenha decidido nesse sentido a respeito da transferência de responsabilidade penal à incorporadora, deixaram claro o entendimento de que “a responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente ou a terceiros, bem como os efeitos extrapenais de uma sentença condenatória eventualmente já proferida quando realizada a incorporação, são transmissíveis à incorporadora”.

 

 

 

BRUNO SILVA & SILVA ADVOGADOS

 

[1] O Princípio da Intranscendência da Pena está previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, XLV, que traz:

Art. 5, inciso XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

[2]  Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:

   I – pela morte do agente;