O presente artigo tem por objetivo analisar o instituto da adjudicação compulsória e como ela pode ser útil ao cancelamento de hipotecas firmadas entre incorporadoras e instituições financeiras.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O conceito de adjudicação compulsória consiste no procedimento judicial utilizado para regularizar o registro de imóveis para o qual se tem um direito real adquirido, mas não possui a documentação exigida em lei. Um exemplo disso é quando você compra uma casa de alguém, mas a pessoa se recusa a transferir a propriedade para o seu nome, e por meio da ação de adjudicação compulsória, você pede para que o juiz ordene a transferência do imóvel para você.

 

A adjudicação compulsória está prevista nos termos dos artigos 1.417 e 1.418, ambos do Código Civil, senão vejamos:

 

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

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Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Já a hipoteca, consiste no direito real de garantia sobre bem imóvel, sendo um direito real o conjunto de normas que regem as relações jurídicas concernentes aos bens materiais ou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem.

 

No entanto, o que ocorre quando, para a construção do empreendimento, a incorporadora oferece as unidades do empreendimento em garantia do empréstimo tomado com uma instituição financeira?

 

  1. BAIXA NAS HIPOTECAS FIRMADAS ENTRE INCORPORADORAS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

 

Antes de entrar no mérito do cancelamento da hipoteca, é preciso esclarecer que a relação firmada entre o comprador e a incorporadora encontra amparo no Código de Defesa do Consumidor, por força dos seusarts. 2o e 3o, caput, que assim dispõem:

“Art. 2° – Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

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“Art. 3 – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

 

Superado esse ponto, na qualidade de adquirente de boa fé, e tendo adimplido integralmente o preço do imóvel, o comprador faz jus à outorga da escritura de compra e venda, é o que determina o art. 15 do Decreto-Lei nº 58/1937 em conformidade com o art. 1.418 do Código Civil supracitado.

 

Ademais, o art. 16 do Decreto-Lei nº 58/1937 revela a adjudicação compulsória como instrumento jurídico adequado para garantir a outorga da escritura pública quando da recusa da incorporadora. Desta feita, complementa a Súmula 239 do STJ que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

 

Não fosse isso suficiente, a Súmula 308, também do STJ nos esclarece que “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”, de modo que inexiste qualquer relação obrigacional entre o adquirente de boa-fé e o credor hipotecário, portanto, em nada deve afetar o adquirente do imóvel constituído de boa-fé.

 

De mesmo modo se posiciona a jurisprudência pátria, senão analisemos:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL. SÚMULA 239 DO STJ. ADJUDICAÇÃO DO BEM AINDA QUE NÃO TENHA SIDO REGISTRADO EM CARTÓRIO O COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. POSSIBILIDADE. A Súmula 239 do STJ, que permite a adjudicação independentemente de registro do contrato de promessa de compra e venda em cartório não está superada.Referido procedimento se mostra necessário para regularização da transação do imóvel já efetuada entre as partes, mormente na hipótese em que não há controvérsia acerca da existência do contrato e da quitação do bem.

“(TJ-DF 07200735020188070001 DF 0720073-50.2018.8.07.0001, Relator: CARMELITA BRASIL, Data de Julgamento: 27/11/2019, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/12/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)” (grifamos)

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“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. CONTRATO DE COMPRA E VENDA FIRMADO ANTES DA AVERBAÇÃO DO GRAVAME PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CANCELAMENTO DE HIPOTECA. IMÓVEL HIPOTECADO PELA CONSTRUTORA EM FAVOR DO AGENTE FINANCEIRO. SÚMULA 308 DO STJ. I. A teor do disposto na Súmula 308 do STJ, “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.II. No caso concreto, a autora comprovou ter adquirido as unidades do empreendimento e efetuado o pagamento integral do preço ajustado, o que atrai a incidência da orientação jurisprudencial, consubstanciada na súmula n.º 308 do STJ, que alcança hipotecas anteriores ou posteriores à celebração da promessa de compra e venda. III. Tendo a autora quitado o valor do imóvel, há risco iminente de execução da hipoteca constituída em favor da instituição financeira, com reflexos para ela, haja vista a inadimplência da Construtora. (TRF4, AG 5017782-19.2019.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 27/06/2019) (grifou-se)” (g.n)

 

  1. CONCLUSÃO

As hipotecas podem ser uma grande dor de cabeça para os proprietários de imóveis, que muitas vezes não conseguem realizar o registro do imóvel em seu nome.

A adjudicação compulsória é um procedimento judicial à disposição dos proprietários de imóveis, sendo possível através de uma ação judicial a regularização do registro de propriedade junto ao cartório correspondente, inclusive para fins de cancelamento de hipotecas firmadas entre incorporadoras e instituições financeiras.

Para tanto, é medida cabível a garantir o que dispõe Súmula 308 do STJ e demonstrar a inexistência de um vínculo direto entre a instituição financeira e o adquirente de boa-fé, sendo inegável o direito deste último ao cancelamento da hipoteca, portanto, imperativa é a declaração de inoperância do direito de sequela da instituição financeira.

 

BRUNO SILVA & SILVA ADVOGADOS