Imagine a cena: você é um empreendedor, daqueles que acordam cedo, batalham o dia todo e ainda se viram nos trinta para pagar os impostos em dia. Aí, olha pro lado e vê o concorrente vendendo o mesmo produto por um preço que não explica. Como ele faz isso? Fácil: sonegando. E não é um atrasinho qualquer — é sonegação planejada, metódica, quase uma arte. Esses são os *devedores contumazes*, e o Brasil está começando a dar um basta nisso. No dia 9 de abril de 2025, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 164/2022, que promete colocar esses sonegadores na linha. Quer saber como? Vamos destrinchar essa novidade jurídica e ver o que ela traz na manga.

Quem são os devedores contumazes?

Primeiro, uma distinção importante: nem todo mundo que deve imposto é “contumaz”. Às vezes, o caixa aperta, a crise bate, e o pagamento do ICMS ou do ISS fica pra depois. Isso é normal, acontece. Mas o devedor contumaz é outra espécie: ele transforma a sonegação em estratégia de negócio. Estamos falando de empresas ou indivíduos que acumulam dívidas pesadas (tipo R$ 15 milhões ou mais de 30% do faturamento) e simplesmente não pagam. Eles abrem uma firma, vendem produtos, emitem notas fiscais (quando emitem), embolsam o imposto que deveriam repassar ao governo e, na hora do aperto, fecham tudo e recomeçam com outro CNPJ, muitas vezes no nome de um “laranja”. É sonegação com método, e o PLP 164/2022 quer acabar com essa festa.

O que diz o projeto?

O PLP 164/2022, apresentado pelo ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN) e relatado por Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), regula o artigo 146-A da Constituição, que fala em criar critérios especiais de tributação para evitar desequilíbrios na concorrência. Mas o que ele diz de concreto? Vamos pegar alguns artigos-chave do texto para entender melhor:

– Artigo 3º: Aqui entra a definição de quem é o vilão da história. O inciso I diz que é “contumaz” quem deixa de pagar tributos por pelo menos quatro períodos consecutivos ou seis alternados em 12 meses. Já o inciso II fala em inadimplência “substancial”: dívida acima de R$ 15 milhões ou 30% do faturamento anual (com um mínimo de R$ 1 milhão), mantida por mais de um ano sem justificativa plausível. Isso separa o joio do trigo: quem sonega de propósito leva o carimbo.

– Artigo 5º: Esse é o que bota medo nos espertinhos. Ele lista as medidas que o Fisco pode tomar contra os contumazes, como exigir um regime especial de fiscalização (inciso I). Traduzindo: em setores como combustíveis ou cigarros, onde a sonegação rola solta, a empresa pode ter que prestar contas quase diariamente. O inciso IV ainda permite cancelar o CNPJ de firmas fraudulentas rapidinho, sem enrolação.

– Artigo 7º: Quer moleza? Aqui não tem. Esse artigo proíbe devedores contumazes de conseguirem benefícios fiscais ou parcelamentos por até 10 anos. Nada de Refis salvador ou desconto camarada. Quem escolhe sonegar como profissão vai ter que pagar o preço cheio.

O texto ainda traz outras regras (como no Artigo 2º), que deixa claro que inadimplentes eventuais (aqueles que devem por um motivo justo ou estão brigando na Justiça) não entram na dança. É uma forma de proteger quem joga limpo e só passou por um perrengue.

Por que isso é um problemão?

Sabe aquele rombo bilionário que a gente ouve falar nos jornais? Os devedores contumazes são parte disso. Apesar de serem poucos (cerca de 0,005% das empresas, ou mil delas), eles devem bilhões. É dinheiro que não chega aos cofres públicos, ou seja, menos verba para saúde, educação, segurança. E tem o lado do mercado: como eles não pagam tributo, vendem mais barato, esmagando quem segue as regras. Já viu algo mais injusto?

E não para aí. Muitos desses esquemas têm ligação com crime organizado. Empresas “noteiras” — criadas só para emitir notas fiscais falsas — são usadas por facções como PCC e Comando Vermelho para lavar dinheiro, especialmente em setores como combustíveis e bebidas. Ou seja, além de sonegar, eles ajudam a financiar coisa pesada. Dá pra deixar isso quieto?

 

O que muda com o PLP?

Se virar lei, o PLP 164/2022 vai dar ao Fisco um arsenal para agir. Além das medidas do Artigo 5º, como o regime especial e o cancelamento de CNPJ, ele cria um ambiente onde sonegar deixa de ser vantagem. Empresas honestas ganham fôlego, porque a concorrência fica mais equilibrada. E o governo arrecada mais, o que, em tese, vira benefício para todos nós. Para os contumazes, é o fim da linha: ou mudam o jogo, ou quebram.

 

O trâmite em 2025 e o que vem por aí

O PLP 164/2022 começou em 2022 e, depois de muito bate-boca, foi aprovado na CCJ do Senado em 9 de abril de 2025. Mas ainda tem chão: agora, vai para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e, possivelmente, para a Comissão de Transparência (CTFC). Se passar, segue ao plenário do Senado e, depois, à Câmara dos Deputados. Se tudo correr bem, chega ao presidente para sanção. Só que, no Brasil, você sabe: política é um tabuleiro imprevisível.

 

Faz diferença mesmo?

O PLP 164/2022 não é a solução mágica para todos os males tributários do Brasil. A sonegação é um monstro de muitas cabeças, e cortar uma não mata o bicho. Mas é um avanço sério. Ele dá nome aos bois, separa o inadimplente ocasional do sonegador profissional e entrega ferramentas para o Fisco agir com precisão. Se bem aplicado, pode trazer justiça ao mercado e uns trocados a mais para o caixa público. Para quem paga imposto em dia, é um alívio. Para quem vive de sonegação, é um aviso: o recreio está acabando.

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