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CRÉDITOS DE IPI PARA PRODUTOS NÃO TRIBUTADOS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Se você é da área jurídica ou trabalha com tributação, já deve ter ouvido aquele velho ditado: “No Brasil, até o passado é imprevisível”. Pois bem, no dia 9 de abril de 2025, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu dar um ponto final numa discussão que vinha tirando o sono de advogados, contadores e empresários: afinal, quem fabrica produtos não tributados pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tem direito a aproveitar os créditos do imposto pago nos insumos? A resposta, agora oficial e vinculante, é um sonoro sim. E isso, meu caro leitor, é uma baita notícia para o bolso das empresas e para a lógica do nosso sistema tributário.
Antes de mergulharmos na decisão, vale um refresco na memória sobre como o IPI funciona. Esse imposto federal incide sobre produtos industrializados — de geladeiras a sapatos, passando por embalagens e afins. A grande sacada dele é o princípio da não cumulatividade, previsto na Constituição (art. 153, § 3º, II). Em termos simples, isso significa que o IPI pago numa etapa da cadeia produtiva pode ser compensado na etapa seguinte, evitando que o imposto se acumule como uma bola de neve e encareça tudo no final.
Na prática, funciona assim: uma empresa compra matéria-prima (digamos, couro com IPI embutido), fabrica um produto (tipo um par de botas) e, ao vender, desconta o IPI que pagou lá atrás do IPI que ela tem que recolher. Mas e se o produto final não tiver IPI a recolher? É aí que o bicho pega — ou pegava, até o STJ entrar em cena.
A Lei 9.779/1999, no seu artigo 11, já garantia o direito ao crédito de IPI para produtos finais isentos (aqueles que a lei diz que não pagam imposto, como itens essenciais) ou com alíquota zero (quando o governo define a taxa em 0%). Só que o texto da lei não falava explicitamente dos produtos não tributados — aqueles que, por sua natureza, nem entram na tabela de incidência do IPI (como certos tipos de calçados ou móveis, dependendo do caso). E aí nasceu a confusão: será que esses produtos também geram crédito? Ou as empresas que os fabricam ficariam chupando o dedo?
O Fisco, como sempre, defendia uma interpretação restritiva: “Se a lei não mencionou os não tributados, então nada de crédito”. Já os contribuintes batiam o pé: “Se o espírito da não cumulatividade é evitar o efeito cascata do imposto, por que eu não posso usar o crédito do IPI que paguei nos insumos?”. Era um cabo de guerra jurídico que ia e voltava nos tribunais.
Foi nesse cenário que o STJ resolveu botar ordem na casa. No julgamento de dois recursos especiais repetitivos (REsp 1.795.299 e REsp 1.977.498), a 1ª Seção, por unanimidade, fixou a seguinte tese: “Os insumos adquiridos com tributação pelo IPI geram crédito a ser aproveitado na etapa posterior, ainda que o produto final seja isento, sujeito à alíquota zero ou não tributado”. Traduzindo: não importa o motivo pelo qual o produto final escapa do IPI, o crédito dos insumos está garantido.
O relator, ministro Gurgel de Faria, deixou claro o raciocínio: o objetivo da não cumulatividade é manter a neutralidade tributária e evitar que o imposto pago numa etapa anterior vire custo morto para a empresa. Seja o produto isento, com alíquota zero ou não tributado, o efeito econômico é o mesmo — não há IPI a recolher na saída. Logo, negar o crédito seria uma distorção, criando uma tributação indireta disfarçada.
Essa decisão não é só mais um julgado perdido no Diário da Justiça. Por ser em regime de repetitivos, ela vincula todos os tribunais e juízes do país, trazendo segurança jurídica a um tema que vivia na corda bamba. Em 2021, o STJ já tinha sinalizado algo parecido, mas agora a coisa foi pacificada de vez. E o impacto vai além da teoria.
Imagine uma fábrica de cadeiras de madeira. Ela compra madeira tributada pelo IPI, transforma em cadeiras e, por um detalhe técnico, essas cadeiras são classificadas como “não tributadas”. Antes, havia o risco de ela não conseguir compensar o IPI da madeira, o que aumentava o custo de produção. Agora, com a tese do STJ, esse crédito está na mão — seja para abater outros tributos ou para pedir restituição. É uma vitória da lógica econômica sobre o formalismo exagerado.
Para as empresas, o ganho é óbvio: mais fluxo de caixa e competitividade. Setores que lidam com produtos não tributados, como parte da indústria de calçados, móveis ou alimentos, podem respirar aliviados. Mas o Fisco pode chiar, afinal, isso pode reduzir a arrecadação do IPI a curto prazo. Só que o STJ não inventou a roda: apenas aplicou o que a Constituição e a lei já previam, reforçando a ideia de que o sistema tributário deve ser justo e coerente.
Claro, nem tudo são flores. Ainda podem surgir debates práticos: como provar que um produto é “não tributado”? E se o Fisco questionar a classificação fiscal? Mas, no geral, a decisão é um passo adiante na eterna briga por um sistema tributário menos caótico no Brasil.
O julgamento do STJ em 9 de abril de 2025 é daquelas decisões que a gente guarda no caderno de anotações. Ele reafirma que o IPI não é um bicho de sete cabeças: se você pagou imposto nos insumos, tem direito a usá-lo, ponto final. Para os advogados tributaristas, é uma carta na manga; para os empresários, um alívio no bolso; e para o Direito, um lembrete de que, às vezes, a Justiça consegue alinhar técnica e bom senso.
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BRUNO SILVA ADVOGADOS