O presente artigo tem por objetivo analisar os conceitos e fundamentos jurídicos explorados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular a cláusula de arbitragem em contrato de franquia por hipossuficiência de uma das partes.

De início, insta salientar que a franquia empresarial é um sistema pelo qual “um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador (…)”, conforme se depreende do art. 1o da Lei n. 13.966/2019.

De mais a mais, a cláusula de compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato, por força do art. 4o da Lei n. 9307/96.

No entanto, a previsão de submissão de eventuais conflitos envolvendo as partes à arbitragem impede a manifestação do Poder Judiciário sobre a demanda, ressalvada, todavia, a possibilidade de intervenção para proclamar eventual defeito de procedimento ou em situações excepcionais, quais sejam:

  • quando há urgência no pedido de qualquer das partes e o tribunal arbitral ainda não está constituído;
  • quando uma das partes resiste à instauração da arbitragem;
  • quando a convenção de arbitragem celebrada é defeituosa e, por isso, inexequível; ou
  • quando há vício na sentença arbitral que autorize a sua anulação.

Diante disso, passa-se a análise do processo julgado pelo TJSP, que tombado pelo número 1006072-45.2021.8.26.0100, trata-se de uma ação declaratória de nulidade de contrato de franquia, ajuizada por Rosemar Gomes de Santana Filho Comércio de Joias em Aço contra a franqueadora VF Rossetti Franqueadora e Participações Ltda.

Em breve síntese, o juiz de primeiro grau extinguiu o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, VII, do CPC, após reconhecer a competência do juízo arbitral, mediante a alegação da convenção de arbitragem por parte da franqueadora.

Ocorre que, em sede recursal, os desembargadores FORTES BARBOSA (Presidente) e ALEXANDRE LAZZARINI entenderam pelo prosseguimento do processo em primeiro grau, sob o argumento de que, muito embora cientes do compromisso arbitral, houve inequívoca hipossuficiência dos franqueados no processo, haja vista que fora concedida a isenção de custas processuais à parte, de modo que não poderiam suportar as despesas arbitrais (direito privado).

O desembargador LAZZARINI ainda afirma o estado de sujeição que se encontram os franqueados, estando diante de “dois abismos vinculados a mesma circunstância: o acesso ao sistema de justiça. De um lado tem-se o ideal, que é o disposto no art. 5º, XXXV,da Constituição Federal, sendo que a arbitragem faz parte desse sistema, como já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal; de outro lado, com cinismo, tem-se a afirmação, no caso concreto, que a arbitragem, decorrente da vontade das partes, é forma de acesso ao sistema de justiça e que é acessível a qualquer um”.

Por fim, o órgão colegiado ratificou consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando dos seguintes trechos jurisprudenciais:

“(…) 3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.

 

4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral ‘patológico’, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.

5. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 1.602.076, NANCY ANDRIGHI).”

 

“3. É sabido que ‘o magistrado pode analisar a alegação de ineficácia da cláusula compromissória por descumprimento da formalidade do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, independentemente do estado do procedimento arbitral’ (REsp 1.602.076/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016). Aplicação da Súmula 83/STJ.

4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no REsp 1.975.571, MARCO AURÉLIO BELLIZZE).

 

BRUNO SILVA & SILVA ADVOGADOS