Em 09.02.2023 o Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo/SP decretou a falência da Livraria Cultura, uma das mais importantes e conhecidas livrarias do país. A decisão foi prolatada após decorridos quatro anos do início da recuperação judicial das sociedades Livraria Cultura S.A. e 3H Participações, que integram o grupo da Livraria Cultura.

 

A convolação da recuperação judicial em falência decorreu após a comprovação de sucessivos descumprimentos das obrigações previstas no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, o que autorizou a aplicação da regra insculpida no art. 73, inciso “IV”, da Lei de Recuperação Judicial e Falência, a saber:

 

“Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

(…)

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do §1º do art. 61 desta Lei.”

 

No caso concreto, restou evidenciado a ausência de pagamento de passivos trabalhistas, o não pagamento de créditos relativos à classe financeira (Banco do Brasil), a ausência de pagamento dos honorários da Administradora Judicial, etc.

 

Também foram demonstrados nos autos graves indícios de fraudes em movimentações financeiras realizadas por sócios das Recuperandas durante a recuperação judicial, com o intuito de lesar os credores, além da falta de compromisso destas no cumprimento das demandas formuladas pelo Juízo durante o processo de recuperação judicial.

 

Em relação ao prazo de duração da recuperação judicial da Livraria Cultura, é importante assinalar que este foi superior ao limite de dois anos previsto no art. 61 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/05). Vejamos:

 

Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.

 

Todavia, considerando que o biênio legal se revela na maioria das vezes insuficiente para a conclusão da recuperação judicial, a prática forense empresta outro contorno a regra supramencionada, sendo possível a relativização do prazo em análise.

 

Expirado o biênio legal, ainda que remanesçam ações a serem cumpridas, ou existam impugnações de crédito pendentes de julgamento ou trânsito em julgado, encerra-se o processo de recuperação, e o credor fica com a garantia de um título executivo judicial.

 

De mais a mais, é importante observar que na hipótese de inadimplemento das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, o credor pode agir de três maneiras distintas, a saber:

 

  1. a) requerer a convolação da recuperação em falência se o inadimplemento ocorrer nos dois anos após a concessão da recuperação (art. 61, §1º, LRJF);

 

  1. b) execução específica depois do transcurso dos dois anos (art. 62);

 

  1. c) requerimento da decretação da falência do devedor, com base nas hipóteses elencadas no art. 94 da LRJF.

 

 

In casu, em virtude dos fatos assinalados, o Juiz responsável pelo caso, Dr. Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho concluiu que:

 

“Está muito evidente que as devedoras não estão empregando esforços para o seu soerguimento, em conduta diametralmente oposta à prevista pela LRF. Registro ideia crucial, de todos conhecida: a recuperação foi pensada para socorrer apenas os devedores que realmente demonstrarem condições de se recuperar, posto que o seu processamento deve amparar somente devedores viáveis”.

 

A análise detida do processo revelou que a Livraria Cultura não demonstrou, ao longo do processo de recuperação judicial, qualquer conduta minimamente diligente para seu soerguimento, tendo inclusive sido relatado indícios de fraude em movimentações financeiras de seus sócios e inadimplemento relativo aos honorários da Administradora Judicial, o que de certo não se coaduna com os princípios legais previstos na Lei de Recuperação Judicial.

 

Portanto, considerando que a Recuperanda não cumpriu as obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, a decretação da falência é medida imperativa.

 

Por fim, antes de decretar a falência, o juiz Ralpho Waldo conclui: “É notório o papel da Livraria Cultura, de todos conhecida. Notória a sua (até então) importância, e não apenas para a economia, mas para as pessoas, para a sociedade, para a comunidade não apenas de leitores, mas de consumidores em geral. É de todos também sabida a impressão que a Livraria Cultura deixou para o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, que a descreveu como uma linda livraria, uma catedral de livros, moderna, eficaz e bela. Mas a despeito disso tudo, e de ter este juízo exata noção desta importância, é com certa tristeza que se reconhece, no campo jurídico, não ter o Grupo logrado êxito na superação da sua crise.”

 

BRUNO SILVA & SILVA ADVOGADOS