O objetivo deste artigo tem por escopo avaliar como tem se posicionado os tribunais brasileiros em demandas que discutem os contratos de shoppings centers, especialmente quanto à tipicidade do contrato e a legislação aplicável.

Como é sabido, o contrato de shopping center não é tipificado no ordenamento jurídico brasileiro, por isso o contrato de locação é o principal instrumento que alicerça a vontade das partes nesse setor.

Em razão da inexistência de tipificação do contrato de shoppings centers as relações locatícias nesses contratos possuem características sui generis, ou seja, sem semelhança com outra qualquer.

Assim, surgiram algumas teorias sobre a natureza jurídica dessa relação. Para alguns, haveria uma relação societária e não locatícia em função da aparente distribuição de lucros, porquanto o shopping envida esforços na atração de consumidores com o fito de aumentar as receitas dos lojistas; para outros haveria uma relação trabalhista em razão da obrigação de cumprimento de normas estabelecidas pelo locador.

Entretanto, a corrente predominante permaneceu em torno da relação locatícia, em virtude da previsão legal do art. 54 da Lei no 8.245/91. Isso ocorre porque os contratos são firmados no espaço da autonomia privada previsto na legislação brasileira para os negócios jurídicos entre particulares e para os empresários, vejamos:

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL. LOCAÇÃO. SHOPPING CENTER. ESCRITURA DE NORMAS GERAIS. CLAUSULA CONTRATUAL. INTERPRETAÇÃO. VEDAÇÃO. SUM. 5/STJ. – EM TEMA DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER, A NOVA LEI DE INQUILINATO – LEI 8.245/1991 – ESTABELECE QUE NAS RELAÇÕES ENTRE LOCADOR E LOJISTAS LOCATARIOS PREVALECEM AS CONDIÇÕES PREVISTAS NOS RESPECTIVOS CONTRATOS LOCATICIOS, EM VIRTUDE DAS PECULIARIDADES DESSE EMPREENDIMENTO, QUE ENVOLVE UM COMPLEXO DE ATIVIDADES (ART. 54), O QUE AUTORIZA A PACTUAÇÃO COM BASE EM ESCRITURA DE NORMAS GERAIS, A QUE SE VINCULA O LOCATARIO. – A ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE CLAUSULA INSERTA EM ESCRITURA DE NORMAS GERAIS DE LOCAÇÃO, NA QUAL SE PROIBE AO LOJISTA LOCATARIO ABRIR NOVO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO MESMO RAMO DE ATIVIDADE NAS PROXIMIDADES DO SHOPPING, NÃO PODE SER OBJETO DE ANALISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL, POR IMPORTAR EM EXAME DE CLAUSULA CONTRATUAL (SUM. 5/STJ). – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

(STJ – REsp: 123847 SP 1997/0018445-5, Relator: Ministro VICENTE LEAL, Data de Julgamento: 17/06/1997, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.02.1998 p. 142 RT V 00754 p. 236 RT vol. 754 p. 236)

É notório que o advento da lei trouxe algumas soluções para a relação, todavia ela se mostra lacunosa em diversos outros pontos, afinal há uma enorme diferença entre as relações locatárias urbanas e as de shopping centers.

Assim, o contrato de locação em shoppings centers se trata de um contrato atípico, ou seja, que não possui uma previsão legal, não há nenhuma lei empresarial que regulamente essa atividade em toda sua dinâmica.

Por sua vez, em razão dessa atipicidade estão sujeitas às normas cogentes desvinculadas a natureza jurídica do negócio, ou seja, a lei institui novos dispositivos para a interpretação dos negócios jurídicos e projeta, no plano dos contratos, uma economia que funciona bem quando valoriza a autonomia da vontade, o pacta sund servanda, o que se traduz em uma maior segurança jurídica no aspecto da finalidade do contrato.

O princípio da força obrigatória dos contratos é outro que permeia a interpretação dos negócios jurídicos, uma vez que permite às partes negociar livremente as cláusulas contratuais, devendo, sobretudo respeitá-las. Deste princípio decorrem outros dois, são eles o valor jurídico da promessa e o princípio da boa-fé objetiva.

No entanto, afastando a hipótese de inobservância legal, a interpretação deve ser regida a preservar o interesse das partes expresso no contrato, conforme estipula o art. 113 do Código Civil e o art. 3o, inciso V, da Lei no 13.874/19, que dispõe:

Art. 3º – São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário;

Rodrigo Barcellos (2009, p.128) ainda dispõe que a estrutura econômica do contrato deve estar em consonância com o princípio do equilíbrio econômico, sobretudo porque no direito empresarial regido por princípios como a liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência, a autonomia privada se porta mais presente que nos demais setores do direito privado.

Ocorre que muito embora o entendimento majoritário seja pela relação locatária do contrato, a jurisprudência ainda não é unânime nesse sentido, já que em maior parcela dos processos a intenção do lojista é buscar pela tutela do Código de Defesa do Consumidor, evidenciando confusão quanto à natureza jurídica do contrato.

CONCLUSÃO

Evidentemente o conteúdo do contrato de locação possui características atípicas, por isso o sujeita às normas cogentes desvinculadas a natureza jurídica do negócio, como esposado supra.

No entanto, ainda há algumas decisões que não observam essas premissas, como exemplo, as ações com o intuito de renovar compulsoriamente o contrato de locação ou de revisar a remuneração da locação.

De um lado, sobrepõe-se que o contrato faz lei entre as partes,pacta sund servanda, de outro catam-se previsões legais que alteram as bases do contrato sem sequer questionar a boa-fé objetiva imputada na celebração do contrato.

Em face disso, é certo que tal situação acaba por permitir condutas de má-fé e engessam negociações mais favoráveis, mantendo-se o risco de perpetuidade dessa condição numa eventual renovação compulsória.

Não atoa, maior parte das decisões sobre o tema mantiveram os termos do contrato de locação, em observância ao princípio da livre concorrência e da autonomia da vontade.

Portanto, entende-se por necessária uma medida legal que conceitue o negócio jurídico shopping center com o intento de possibilitar maior segurança jurídica, menos desgastes e maior geração de riquezas.

 

 

BRUNO SILVA & SILVA ADVOGADOS