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SPLIT PAYMENT NO CONTEXTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
O split payment, ou pagamento dividido, emerge como um dos pilares tecnológicos da reforma tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025. Este mecanismo, concebido para modernizar a arrecadação tributária no Brasil, representa uma inovação significativa no sistema de tributação sobre o consumo, alinhando o país a práticas internacionais que buscam eficiência, transparência e combate à sonegação fiscal. Com a introdução de novos tributos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o split payment se torna essencial para viabilizar a operacionalização do sistema tributário reformado, especialmente no contexto de um país com dimensões continentais e complexidades fiscais históricas.
O split payment é um sistema que separa, no momento da transação comercial, o valor correspondente aos impostos do preço total pago pelo consumidor, direcionando o montante tributário diretamente às contas do ente público competente e o valor líquido ao vendedor. Essa divisão ocorre em tempo real, utilizando tecnologias como o Pix e sistemas integrados de notas fiscais eletrônicas (NF-e). A base legal para sua implementação encontra-se na Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta os artigos 155-A e 156-A da Constituição Federal, introduzidos pela EC nº 132/2023, os quais disciplinam o IBS e o CBS, respectivamente. Esses dispositivos estabelecem a estrutura do novo sistema de tributação sobre o consumo, que substituirá gradativamente tributos como ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, a partir de 2026, com transição completa até 2033. O split payment, nesse contexto, é um mecanismo operacional que assegura a correta destinação dos tributos, eliminando a necessidade de repasses manuais pelos contribuintes e reduzindo a burocracia associada à arrecadação.
A lógica do split payment é simples, mas sua implementação exige uma infraestrutura tecnológica robusta. Quando um consumidor realiza uma compra, o sistema de pagamento, integrado ao emissor de notas fiscais e ao banco, identifica o valor do imposto incidente (por exemplo, a alíquota combinada de 26,5% para IBS e CBS, conforme estimativas iniciais da LC nº 214/2025). Esse montante é automaticamente transferido para uma conta do governo, enquanto o restante é creditado ao comerciante. Por exemplo, em uma compra de R$100, aproximadamente R$26,50 seriam destinados ao fisco, e R$73,50 ao vendedor. A automação desse processo é viabilizada pelo artigo 9º da LC nº 214/2025, que prevê a adoção de tecnologias digitais para a administração tributária, incluindo sistemas de pagamento instantâneo. O Pix, amplamente utilizado no Brasil, é apontado como a principal ferramenta para essa operação, dada sua capacidade de processar transações em tempo real, conforme regulamentações do Banco Central.
Os benefícios jurídicos e econômicos do split payment são notáveis. Primeiramente, ele promove a transparência tributária, permitindo que consumidores e empresas visualizem claramente o valor dos impostos pagos, o que está alinhado ao princípio da publicidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Além disso, o mecanismo combate a sonegação fiscal, uma vez que os tributos são arrecadados diretamente na fonte, reduzindo a possibilidade de desvios. Esse aspecto é particularmente relevante no Brasil, onde a sonegação fiscal é estimada em centenas de bilhões de reais anualmente. O split payment também incentiva a formalização da economia, pois a emissão de notas fiscais eletrônicas é condição para a operacionalização do sistema, conforme exigido pelo artigo 11 da LC nº 214/2025. Para as empresas, a automação reduz a carga administrativa associada ao cálculo e repasse de tributos, permitindo maior foco nas atividades produtivas. Do ponto de vista do poder público, o sistema aumenta a eficiência na arrecadação, minimizando custos operacionais e otimizando a fiscalização.
Apesar de suas vantagens, o split payment enfrenta desafios significativos que demandam atenção jurídica e operacional. Um dos principais obstáculos é a necessidade de uma infraestrutura tecnológica avançada, capaz de integrar os fiscos federal, estadual e municipal, bem como sistemas bancários e empresariais. O artigo 15 da LC nº 214/2025 estabelece que o Comitê Gestor do IBS será responsável por coordenar a implementação dessas tecnologias, mas a alta informatização exigida pode sobrecarregar os entes federativos, especialmente os municípios menores. Para as empresas, sobretudo as micro e pequenas, a adaptação ao split payment implica custos iniciais, como a atualização de sistemas de ponto de venda e softwares contábeis. Esses custos podem ser desproporcionais para negócios com margens reduzidas, o que levanta questões sobre a equidade na implementação da reforma, um princípio consagrado no artigo 150 da Constituição Federal. Além disso, a regulamentação detalhada do split payment ainda depende de ajustes, como os previstos no Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, em tramitação no Senado, que definirá aspectos técnicos e operacionais do sistema.
Outro desafio relevante é o risco de falhas tecnológicas ou fraudes. Embora o Pix seja uma ferramenta segura, a complexidade do split payment, que envolve milhões de transações diárias, pode gerar vulnerabilidades. O artigo 20 da LC nº 214/2025 prevê sanções para irregularidades na administração tributária, mas a legislação ainda carece de normas específicas para lidar com erros sistêmicos ou tentativas de manipulação do sistema. A proteção de dados também é uma preocupação, dado que o split payment exige o compartilhamento de informações financeiras entre empresas, bancos e governo. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) será aplicável, exigindo que os sistemas de split payment cumpram padrões rigorosos de segurança e privacidade, sob pena de sanções administrativas.
O impacto do split payment vai além da esfera técnica, influenciando a relação entre Estado e contribuinte. Ao automatizar a arrecadação, o sistema reforça o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, mas também levanta questões sobre a autonomia das empresas na gestão de seus fluxos financeiros. A obrigatoriedade de emissão de notas fiscais e a integração com sistemas fiscais podem ser percebidas como um aumento da fiscalização estatal, o que exige um equilíbrio para evitar a sensação de excesso de controle. Além disso, o split payment pode alterar a dinâmica de mercado, especialmente para setores que dependem de fluxos de caixa rápidos, como o varejo, onde a retenção imediata do imposto pode impactar a liquidez.
Olhando para o futuro, o split payment tem o potencial de posicionar o Brasil como referência em administração tributária digital, alinhando-se a práticas adotadas em países como Portugal e México, que utilizam sistemas semelhantes. A implementação bem-sucedida dependerá de uma regulamentação clara, investimentos em tecnologia e apoio às empresas, especialmente as de menor porte.
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